Piracicaba, 06 – Na edição de julho, a revista Hortifruti Brasil entrevistou Celso Omoto*, professor da Esalq/USP e Ph.D. em Entomologia pela Cornell University, Nova York (EUA), a respeito da segurança dos hortifrútis no Brasil. Confira as principais observações:
Hortifruti Brasil: Por que as CSFI's (Culturas com Suporte Fitossanitário Insuficiente) apresentam um alto nível de não conformidade nos relatórios da Anvisa?
Celso Omoto: O termo em inglês minor crops (ou Culturas com Suporte Fitossanitário Insuficiente – CSFI's) não significa cultivares de menor importância, mas um grupo de culturas que possuem menor oferta de defensivos. Devido ao alto custo de um registro no País, as empresas de defensivos focam culturas de maior escala de produção, como tomate, soja, café, no qual o custo do registro se viabiliza. Diante disso, as hortaliças e frutas de menor escala de produção são deixadas em segundo plano na questão de oferta de defensivos. No entanto, sob o ponto de vista do consumidor, essas culturas são tão importantes quanto soja e café, e há milhares de agricultores que se destinam a produzir essas culturas. O produtor desse grupo tem que aumentar a dose do pesticida, pulverizar mais frequentemente, usar misturas, dentre outros, para conseguir controlar suas pragas e doenças. Consequentemente, os resultados das análises de resíduos acima do limite permitido são consequências da falta de uma oferta de novos defensivos para as minor crops, e a mídia interpreta que culturas como pepino, berinjela, pimentão são as campeãs em termos de resíduos. É importante enfatizar que é essencial fazer um treinamento ou uma reciclagem aos agricultores do correto uso desses pesticidas na lavoura para diminuir resíduos no alimento.
HF Brasil: Há um debate caloroso em torno do Projeto de Lei 6.299, de 2002, que está em debate no Senado. A Lei seria favorável à produção de frutas em hortaliças e, em especial, às CSFI's? Os resultados do relatório da Anvisa revelam que a maior não conformidade das CSFI's está atrelada ao uso de produtos não registrados.
Omoto: A nova lei em discussão possibilitará o registro de novos produtos menos tóxicos, mais seguros para o homem e para o ambiente e, consequentemente, as análises de resíduo não vão detectá-los como ilegais. Além disso, produtos mais novos tendem a ter menor toxicidade, porque uma condição principal para que a empresa invista em uma nova molécula é que siga o perfil toxicológico ambientalmente correto, seguro para o homem e para os mamíferos. Se o resultado da própria empresa mostrar que o produto tem potencial carcinogênico ou mutagênico, ela aborta o projeto, porque o investimento para o desenvolvimento de uma nova molécula é de no mínimo 300 milhões de dólares. Assim, ninguém vai investir numa molécula que seja mais tóxica do que os produtos já utilizados. Acho que essa preocupação a sociedade não deverá ter por conta dessa nova lei.
HF Brasil: Quais são as principais implicações dessa legislação se for aprovada na íntegra? Quais os pontos que podem modernizar a legislação e quais os negativos que carecem de revisão?
Omoto: Esse novo projeto de lei é um grande avanço para a sustentabilidade e maior concorrência da agricultura brasileira no cenário mundial. Os principais pontos positivos são a possibilidade de ampliar a oferta de produtos mais modernos e de dar maior agilidade nos processos, que hoje chegam a demorar de cinco a oito anos. Há uma grande contestação de que na nova lei não vai ouvir a Anvisa e o Ibama, pelo contrário, é o primeiro passo. Eles vão ter que homologar o que o fabricante está propondo em termos de avaliação de risco para saúde humana e a questão ambiental. Então, compete a esses órgãos emitir um parecer favorável ou contrário, ou exigir mais estudos. O que não pode é ficar cinco anos sem dar uma resposta. Um ponto que merece atenção é que haja uma fiscalização rígida por parte do governo no uso correto do produto no campo, questão que não está tão clara na legislação. É necessária uma fiscalização rígida para que os riscos de uso desses produtos sejam mitigados; se usados de uma maneira correta, a agricultura só tem a ganhar. Não sou um defensor do uso de defensivos, mas do seu uso correto.
HF Brasil: A grade atual de defensivos agrícolas é satisfatória para a produção de frutas e hortaliças no geral e, em especial, das CSFI's?
Omoto: Se há produtos na lista de aprovação com novo mecanismo de ação, produtos de baixa toxicidade que seja seletivo ao meio ambiente e outros inimigos naturais, por que não agilizar? A maioria dos produtos que está na espera já está registrada em seus países de origem, inclusive onde a legislação é mais rígida que a nossa, como é o caso do Japão e da Alemanha. Enquanto não tivermos produtos novos disponíveis, precisamos utilizar ainda os antigos que são tóxicos. O que a universidade preconiza é que esses produtos químicos são uma das ferramentas dentro do manejo integrado de pragas, doenças e plantas daninhas. Essa ferramenta, por si só, não vai resolver o problema de pragas, doenças e plantas daninhas, então, a gente recomenda, por exemplo, o MIP (Manejo Integrado de Pragas). Hoje, existem várias alternativas de controle biológico, mesmo com plantas transgênicas, controle por comportamento, que é por feromônios e tudo mais. Mas, é claro que não adianta registrar produtos modernos com mecanismo de ação menos tóxico se não há uma legislação que possibilite uma fiscalização do uso correto dessas novas ferramentas.
HF Brasil: Em sua opinião, é possível hoje atender as atuais demandas interna e externa de frutas e hortaliças sem os defensivos químicos, isto é, somente com controle biológico e/ou alternativas?
Omoto: Em suma, não tem como produzir tudo orgânico, é impossível pela magnitude da população crescente, da nossa agricultura tropical, com fazendas de mais de 30 mil hectares. Então, o que eu defendo é o uso dessas ferramentas, como pesticidas, dentro do manejo integrado de pragas, doenças e plantas daninhas. Se nós não tivéssemos um avanço desses pesticidas no mundo, acredito que nós estaríamos passando fome.
HF Brasil: A Embrapa soltou uma nota que destaca alguns pontos importantes sobre a PL, sendo um deles a questão da análise de risco e perigo, de que a Lei eliminaria qualquer critério de exclusão baseado no perigo, como a carcinogenicidade e mutagenicidade. O que o senhor poderia esclarecer desse ponto?
Omoto: O risco é uma análise que avalia em função da dose. É claro que tudo é tóxico sem levar em consideração a quantidade, por isso, na primeira lei de toxicologia, a análise de risco é feita com base na dose e no tempo de exposição. Então, nessa análise de risco, considera-se a dose e a exposição desse produto, isto é, o quão exposto vai ser para o aplicador e para a sociedade. O perigo é considerado apenas pela substância, se ela faz mal à saúde ou não, sem levar em consideração a dose e tempo de exposição.
A entrevista também está disponível em vídeo. Quer conferir? Clique aqui.
*O professor da Esalq/USP Celso Omoto possui graduação e mestrado pela Esalq/USP e Ph.D. em Entomologia pela Cornell University, Nova York (EUA). Atua na área de Manejo Integrado de Pragas, com ênfase em Resistência de artrópodes a táticas de controle. Participa na implementação de programas de manejo da resistência de pragas a inseticidas, principalmente nas culturas de citros, soja, algodão e milho. Atualmente, é membro do Comitê de Assessoramento do CNPq (Agronomia), consultor do Comitê Brasileiro de Ação à Resistência a Inseticidas (IRAC-BR) e membro do Grupo de Trabalho de Manejo de Resistência (GTMR) do Mapa.
Fonte: hfbrasil.org.br