Piracicaba, 19 – Na edição de março, a Hortifruti Brasil entrevistou a economista Viviane Schappo*, uma das criadoras do "Global Woman Fresh", projeto que apoia o desenvolvimento profissional das mulheres no setor de FLV, para entender quais desafios ainda precisam ser superados para que a participação feminina cresça nesta área. Confira o conteúdo, na íntegra:
Hortifruti Brasil: Como surgiu o "Global Woman Fresh"? De que forma as mulheres podem colaborar com esse projeto e com o setor de FLV no Brasil?
Viviane Schappo: O projeto surgiu de uma conversa entre três amigas: Julie Escobar, Monica Bratuti e eu. Nós sempre trabalhamos com desenvolvimento de negócios internacionais em FLV e há mais de 10 anos nos encontramos nas maiores feiras de FLV do mundo. Muitas vezes presenciamos experiências desagradáveis nos eventos de networking da indústria e dificuldades de as mulheres se integrarem. A ideia inicial do Global Woman Fresh foi a de desenvolver um evento de networking global para as mulheres do setor de FLV nestas feiras e acabamos criando uma plataforma para apoiar e fomentar o desenvolvimento profissional das mulheres. A melhor forma de participar deste projeto é seguir a hashtag #globalwomenfresh nas mídias sociais e criar grupos locais de empoderamento de mulheres, conectando-se à nossa plataforma (globalwomenfresh.com).
HF Brasil: Você sente que a participação das mulheres em cargos de lideranças em empresas de FLV aumentou nos últimos anos? Existe diferença entre a atuação das mulheres entre "fazenda e executivo"?
Viviane: Há uma diferença enorme entre a atuação das mulheres nos diferentes departamentos da indústria de FLV e a porcentagem de mulheres que estão em posições de liderança. O que vemos hoje é uma grande participação das mulheres em departamentos como operação e financeiro, em posições que estão focadas na execução do negócio, e não na tomada de decisão. Quando avaliamos a parcela de mulheres nos cargos executivos ou na área comercial, vemos que há uma participação muito menor com relação aos homens. Esse é o desafio para a indústria: como podemos apoiar iniciativas para que as mulheres assumam posições de liderança nas empresas? Isso requer não apenas políticas corporativas, mas também políticas públicas para oferecer flexibilidade às mulheres para poderem conciliar, por exemplo, maternidade com crescimento profissional.
HF Brasil: Atualmente, quais são as maiores dificuldades enfrentadas por mulheres em cargos de liderança? Espera-se mudanças para os próximos anos?
Viviane: Há uma grande dificuldade para conciliar o período de maternidade, pois muitas mulheres acabam deixando o mercado de trabalho por um longo período (somos muito mais cobradas pelos parceiros e sociedade para estarmos presentes na criação e na educação dos filhos). A falta de licença paternidade e igualdade em termos do período em que o homem tem que deixar de trabalhar para cuidar dos filhos é uma política ainda inexistente no Brasil. Em países do norte da Europa, por exemplo, a licença paternidade nos mesmos moldes para as mulheres já é obrigatória, igualando os benefícios corporativos para o pai e a mãe neste período importante na vida da criança. Acho que as mudanças acontecem à medida que a sociedade e empresas estejam mais conscientes dos impactos sociais e econômicos que um aumento da participação da mulher no mercado de trabalho e maior diversidade nos cargos de liderança trazem para o crescimento da economia, para a melhora dos fatores sociais e para o desempenho das empresas. No Brasil, é fundamental o apoio e ajuda dos homens, pois eles dominam as posições de tomadas de decisão na indústria do FLV no Brasil. Se os homens não apoiarem essas iniciativas, a mudança vai acontecer muito lentamente. Temos que cobrar dos homens essa responsabilidade para acelerar as mudanças.
HF Brasil: No Censo Agropecuário (2017), nota-se que a maior parte dos estabelecimentos de FLV dirigidos por mulheres esta? inserida na agricultura familiar. Em sua opinião, por que as mulheres ganham força neste tipo de atividade?
Viviane: Li um artigo no The Economist sobre a relação histórica da mulher com a agricultura, desde a época quando deixamos de ser caçadores nômades e começamos a formar aldeias agrícolas. Esse artigo, escrito por um grupo de antropólogos e historiadores, ilustrava que, enquanto os homens dedicavam-se a caçar animais para trazer alimentos à família, sendo a caça uma atividade de alto risco e nem sempre com sucesso para alimentar a família, as mulheres e "avós" dedicavam-se a plantar e, assim, garantir acesso a múltiplas fontes de alimentos, alternando colheitas e cultivos de diferentes produtos e proporcionando uma fonte mais consistente de alimentos à família. Com base neste contexto histórico, penso que há uma relação muito forte da mulher com a agricultura familiar – ela acaba tomando a posição de liderança, pois está trabalhando em casa, tendo flexibilidade e poder de decisão. Infelizmente, quando pensamos na indústria hoje, não é assim que funciona.
HF Brasil: Quando se trata da mão de obra, ao menos no âmbito rural, o setor de FLV e? um dos que mais demandam mulheres, também segundo o Censo Agropecuário. O que você acha que atrai esse perfil feminino no setor?
Viviane: No setor do FLV, quando se trata de produção em larga escala, há uma parte fundamental para o sucesso econômico desta atividade que é a efetividade operacional do processo de produção, colheita, embalagem e distribuição. Se um produtor não for muito eficiente, terá muita dificuldade em crescer ou manter-se no mercado. Neste contexto, a atenção para os detalhes, execução e processos é fundamental e normalmente as mulheres são muito mais qualificadas neste sentido do que os homens. Esta afirmação não foi feita por mim e sim por diversos gerentes de produção e operação em packing houses do mundo inteiro onde visitei. O grande desafio é fazer com que esse grande número de mulheres não fique apenas concentrado na produção e execução, mas também esteja também nos cargos de gerências, diretorias e executivos das empresas.
HF Brasil: Segundo a PNAD (2019), a qualificação das mulheres que trabalham no setor de FLV aumentou nos últimos anos. A que você atribui este cenário?
Viviane: Acho que esta é uma tendência generalizada não somente na indústria de FLV. Se você olhar as estatísticas, há um número maior de mulheres escolarizadas no Brasil. Muito mais mulheres se formam no ensino superior do que os homens. Infelizmente, apesar de as mulheres serem, no geral, mais escolarizadas e qualificadas que os homens no Brasil, ainda ganhamos menores salários para os mesmos cargos, recebemos muito menos oportunidades de promoção e somos a minoria nos cargos de direção executiva.
HF Brasil: Você acredita que a participação da mulher continuara? crescendo? Qual será? o impacto de mais mulheres no setor de FLV?
Viviane: Sem dúvida. O setor de FLV está passando por uma transformação enorme do ponto de vista tecnológico e isso vai requerer mão de obra qualificada e excelência das empresas no setor para atrair os melhores talentos. Neste sentido, será inevitável o aumento da participação da mão de obra feminina no setor. É importante pensar não somente do ponto de vista de gênero, mas também da inclusão de talentos com distintos históricos sócio-econômicos e étnicos. Se tivermos uma equipe extremamente homogênea tomando decisões, penso que as empresas perderão competitividade. Fica o desafio para os líderes do setor no Brasil: como atrair os melhores talentos, incorporar a diversidade no processo de tomada de decisão e ciar um ambiente favorável à inovação tecnológica no setor? Acho que esse é um processo sem volta, será impossível sobreviver se não mudarmos.
* Viviane Schappo é economista e há 12 anos atua no desenvolvimento de negócios internacionais em FLV (frutas legumes e verduras). Atualmente, é diretora comercial para America Latina na Apeel Sciences (está vivendo no Chile) e uma das criadoras do "Global Woman Fresh", projeto que apoia o desenvolvimento profissional das mulheres no setor de FLV.
Fonte: hfbrasil.org.br